Capoeira, Bahia, Brasil
De Salvador (BA)
Geralmente o que a gente considera uma definição de uma coisa é simplesmente colocá-la numa categoria mais ampla, pendurando um conceito no outro. Podemos dizer que uma cadeira é um móvel, que um microfone é um aparelho eletrônico e assim pó diante...
Mas como definir o que é capoeira, aqui da Bahia, se a capoeira está muito envolvida em definir o que é ser Bahia?
Ou seja: não dá para aplicar aquele velho chavão antropológico ou sociológico de que a cultura, no caso a capoeira, é um reflexo da sociedade; por que o que está envolvido é muito mais do que isso... Eu preferia que o renomado pensador Clifford Geertz, ao invés de ter ido parar em Bali, e ter estudado as brigas de galo de lá, que ele tomasse o rumo daqui da Bahia e focalizasse na capoeira. Lá em Bali ele de certa forma revolucionou a antropologia ao perceber que as brigas de galo eram textos, "uma leitura balinesa da experiência balinesa".
Não estamos certos em fazer essa associação? Não é a capoeira uma história contada de dentro sobre a experiência daqui? Não merece a capoeira ser entendida não como reflexo de algo e sim como texto constitutivo, como dramatização da própria existência entre nós...? Convocando isso que poderíamos chamar de círculos concêntricos - Salvador, o Recôncavo, a Bahia, o Brasil e o Mundo. Resumindo e repetindo: uma leitura "densa" para usar o termo de Geertz da experiência baiana e brasileira;
É justamente por isso que aqueles que aprendem capoeira relatam ter aprendido muito mais do que simplesmente capoeira. Aliás, não existe simplesmente capoeira. Como diz Mestre Curió:
E esse agir complexo, esse pensar complexo, permite que a capoeira estabeleça sinapses com o mundo. Pois se ela se constituiu de forma densa como uma narrativa daquilo que somos, hoje circula pelo planeta materializando de forma impressionante o conceito de rede, de sociedade em rede. A capoeira está na frente de tudo que temos, está na frente do Brasil...
Para um País como o nosso, que continua perseguindo o ideal de nação, o ideal de se constituir como nação para todos os habitantes, e que ao mesmo tempo vivencia uma época que ultrapassa o discurso nacional e polariza o poder em conglomerados mundiais -, portanto, na delicadeza dessa quadra que ora atravessamos, a capoeira assume uma posição estratégica de agente civilizatório que fomenta o sentido de pertencimento e veicula formação ética. Reconhece e valoriza a matriz africana, mas ao mesmo tempo abre-se à contemporaneidade. A capoeira civiliza o Brasil.
Suas variações
A violência dos golpes da Capoeira não deixa espaço para meio termo: ou luta-se Capoeira de verdade ou apenas simula-se um jogo. Os mais puristas não admitem a possibilidade de enquadrá-la em regras esportivas. Para eles, quem assim o faz está sendo leviano ou não conhece de fato a arte da Capoeira. Para outros, no entanto, o jogo deve evoluir, como todas as artes marciais. A Capoeira de Angola, a mais tradicional, tem um número pequeno de golpes. Mas estes podem atingir uma harmoniosa complexidade, através de suas variações. Assim como a música, que conta sete notas, a Capoeira tem diversas variações apoiadas em sete golpes principais: Cabeçada, Rasteira, Rabo de Arraia, Chapa de Frente, Chapa de Costas, Meia Lua e Cutilada de Mão.A Capoeira é a única modalidade de luta marcial que se faz acompanhada por instrumentos musicais. No início, esse acompanhamento era feito apenas com palmas e toques de tambores. Posteriormente, foi introduzido o berimbau, instrumento composto de uma haste tensionada por um arame, tendo por caixa de ressonância, uma cabaça cortada. O som é obtido percutindo-se uma haste no arame; pode-se variar o som abafando-se o som da cabaça e (ou) encostando uma moeda de cobre no arame; complementa o instrumento o caxixi, uma cestinha de vime com sementes secas no seu interior.
O berimbau era um instrumento usado inicialmente por vendedores ambulantes para atrair fregueses, mas tornou-se instrumento símbolo da Capoeira, por conduzir o jogo com o seu timbre peculiar. Os ritmos são em compasso binário e os andamentos - lento, moderado e rápido - são indicados pelos toques do berimbau. Entre os mais conhecidos estão o São Bento Grande, o São Bento Pequeno (mais rápido), Angola, Santa Maria, o toque de Cavalaria (que servia para avisar da chegada da polícia), o Amazonas e o Luna. Numa roda de angoleiros o conjunto rítmico completo é composto por três berimbaus (um grave - Gunga; um médio e um agudo - Viola); dois pandeiros; um reco-reco; um agogô e um atabaque. A parte musical tem ainda ladainhas que são cantadas e repetidas em coro por todos na roda. Um bom capoeirista tem obrigação de saber tocar e cantar os temas da Capoeira.
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