terça-feira, 16 de agosto de 2011

Capoeira


Capoeira
Não sendo um dos principais estilos de luta, a Capoeira é ainda assim uma das que mais popularidade tem atingido nos quatro cantos do mundo. Na verdade, poderá até haver quem não considere a Capoeira como uma luta, e ainda menos uma arte marcial. Essa discussão nunca terá fim, mas a bem do consenso, podemos dizer sem qualquer dúvida que a Capoeira é, sobretudo, uma arte.

AS ORIGENS

As suas origens são também fruto de debate, mas a versão mais consensual é que terá tido origem como um meio de defesa dos escravos do Brasil no século XVI, dissimulado numa dança para que os seus proprietários não o identificassem. O que é garantido é que esses escravos, originários de vários locais em África, mantiveram as raízes da sua herança através de diversos costumes e rituais, e a Capoeira nasce de um conjunto de tradições ancestrais.
Algumas fontes referem a inspiração da dança ritual N’Golo, baseada nos movimentos de zebras; as lutas de galos são outra das fontes que poderão ter estado na origem da Capoeira. O que está comprovado é que foi no Brasil que nasceu a Capoeira – historicamente referenciada já no século XVIII (sendo decerto mais antiga) – por entre os grupos de escravos.
O uso como arte marcial e técnica de luta (e certamente a sua eficácia) levaram à sua proibição, com elevadas punições para os capoeiristas. No início do século XX a Capoeira encontrava-se ainda legalmente interditada, e foi por pouco que a arte não se extinguiu.
Aos poucos a perseguição foi-se esvaindo, e em 1932 é fundada a primeira academia oficial de Capoeira, pelas mãos de um dos maiores impulsionadores de sempre, o Mestre Bimba. Pouco depois, a sua iniciativa foi seguida pelo Mestre Pastinha, outro importante incitador, baseando-se numa abordagem mais tradicional. Assim nascia este fenómeno mundial e, ao mesmo tempo, as duas principais correntes de Capoeira.

AS DUAS CORRENTES

Capoeira Angola

A Capoeira Angola foi recuperada pelo Mestre Pastinha com a abertura da sua academia em 1941. Consiste na forma mais tradicional de Capoeira, altamente ritualista, remontando à herança tribal de África, e chega a ser considerada (sobretudo pelos seus praticantes) como a “verdadeira Capoeira”.

Capoeira Regional

A Capoeira Regional tem a sua origem no Mestre Bimba, que considerava que esta arte estava a perder progressivamente a sua componente de luta. Uma vez que se tratava de uma prática proibida, os capoeiristas remetiam-se à clandestinidade, sendo cada vez menores em número e sem comunicação entre si. O Mestre Bimba pretendeu lutar contra esta tendência, e começou a recuperar práticas e movimentos antigos, definiu uma filosofia e código próprios, e concebeu mesmo novos golpes. É a ele que se deve a criação da primeira academia de Capoeira do mundo, e com o seu activismo, é também considerado o principal impulsionador para a legalização, aceitação e valorização social e cultural deste património brasileiro. A Capoeira Regional é assim uma abordagem moderna de Capoeira, devidamente organizada e hierarquizada, e é de longe a corrente mais praticada não só no Brasil, mas também em todo o mundo.
Independentemente das diferenças entre estas duas correntes, mais filosóficas que práticas, ambas são praticadas num verdadeiro ritual, constituído por diferentes partes e componentes.
Em suma, a Capoeira é uma simulação de luta e não tanto uma luta efectiva. O “jogo” não tem como objectivo atingir o adversário, mas antes dar asas à liberdade de movimentos ofensivos e defensivos, através de diferentes golpes, reduzindo a margem de manobra do oponente. O capoeirista não precisa de atingir o adversário, basta colocá-lo numa posição em que não se consiga defender.
Mas o ritual é muito mais do que apenas esse jogo.

O RITUAL

A Música

A música é parte essencial da Capoeira, sendo mesmo a sua velocidade que marca o ritmo dos movimentos dos capoeiristas. A roda de Capoeira integra uma bateria com vários instrumentos tradicionais brasileiros: ainda que a maioria seja de precursão, aquele que assume maior protagonismo é o berimbau. Os membros da roda acompanham a música com cantares típicos, por vezes semelhantes aos cantares de desafio, e todo este conjunto cria o ambiente único que apenas a Capoeira permite. A importância da música é tal que o Mestre Bimba afirmou mesmo que um verdadeiro capoeirista tem que saber lutar tanto como tocar e cantar!

A Roda

A roda de Capoeira é onde decorre a acção, criando um círculo no interior do qual se defrontam os capoeiristas. Os restantes elementos, sejam adversários à espera da sua vez, sejam os músicos, seja mesmo o público em geral, criam um círculo com uma média de 5 metros de diâmetro.

O Jogo

O jogo em si é o confronto entre os dois praticantes. Como foi referido, esta “luta” não implica, na generalidade, contacto físico, mas antes uma demonstração das capacidades. Cada ataque fica-se pela ameaça, sendo que antes de ser concretizado já o adversário terá efectuado uma manobra defensiva que o evitaria. A sucessão de movimentos gera uma verdadeira dança metafórica (ou mesmo no sentido literal da palavra), com gestos elegantes, ágeis e acrobáticos, recorrendo com frequência a saltos mortais e outras manobras igualmente aparatosas.
  • Ginga
    A Ginga é o movimento base de Capoeira, e ao mesmo tempo o mais célebre. Consiste numa “dança” de pés triangulares, balançando os braços ao ritmo do corpo, que servirá também de preparação para os movimentos. É verdadeiramente inconfundível: quando vir alguém a fazê-lo, saberá instantaneamente que está na presença de um capoeirista!
  • Ataques
    Os movimentos ofensivos utilizam maioritariamente as pernas, com ataques de pés e joelhos. Os cotovelos são também utilizados com alguma regularidade, ao passo que murros e outros golpes de mãos não são utilizados em Capoeira. Um golpe também utilizado com frequência é a cabeçada!
  • Defesa
    A defesa consiste na grande maioria no recurso a manobras evasivas, e eventualmente, contra-ataques. Daí que a Capoeira possa ser vista como um jogo de movimentações, em que se considera que o atacante teve sucesso quando efectuou manobras tais que deixou o adversário sem escape possível.
  • Volta ao Mundo
    Quando uma manobra é concluída (como na situação anteriormente descrita) ou na eventualidade de qualquer outra interrupção do ritmo do jogo, os dois capoeiristas afastam-se e circulam calmamente pelos limites da roda, dando a “volta ao mundo”.
Na generalidade, estes são os “episódios” do ritual de um jogo de Capoeira, havendo depois pormenores e especificidades quer na Capoeira Regional, quer na Angola.

A CAPOEIRA… À VOLTA DO MUNDO!

Com o passar dos anos, a Capoeira tem-se espalhado um pouco por todo o mundo, sendo cada vez mais popular em países como Japão e Estados Unidos. Apesar de haver hoje uma enorme pluralidade cultural, social e étnica por entre os capoeiristas, os mestres são geralmente brasileiros, o que assegura a manutenção das origens desta arte.
Uma arte, que marcial ou não, é um símbolo máximo da herança cultural de um povo, com o mesmo peso que terá o Karaté para o Japão ou o Taekwondo para a Coreia. Tanto o é que a Capoeira foi recentemente declarada Património Cultural Brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, depois de em 1985 se ter declarado o dia 3 de Agosto como o Dia do Capoeirista.

VÍDEO DE DEMONSTRAÇÃO


segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Capoeira Bahia

Capoeira, Bahia, Brasil


De Salvador (BA)
Vá lá definir as coisas... Sabemos que não devemos falar das coisas sem uma idéia clara do que sejam; principalmente quando se trata de coisa pública e notória.
Geralmente o que a gente considera uma definição de uma coisa é simplesmente colocá-la numa categoria mais ampla, pendurando um conceito no outro. Podemos dizer que uma cadeira é um móvel, que um microfone é um aparelho eletrônico e assim pó diante...
Mas como definir o que é capoeira, aqui da Bahia, se a capoeira está muito envolvida em definir o que é ser Bahia?
Ou seja: não dá para aplicar aquele velho chavão antropológico ou sociológico de que a cultura, no caso a capoeira, é um reflexo da sociedade; por que o que está envolvido é muito mais do que isso... Eu preferia que o renomado pensador Clifford Geertz, ao invés de ter ido parar em Bali, e ter estudado as brigas de galo de lá, que ele tomasse o rumo daqui da Bahia e focalizasse na capoeira. Lá em Bali ele de certa forma revolucionou a antropologia ao perceber que as brigas de galo eram textos, "uma leitura balinesa da experiência balinesa".
Não estamos certos em fazer essa associação? Não é a capoeira uma história contada de dentro sobre a experiência daqui? Não merece a capoeira ser entendida não como reflexo de algo e sim como texto constitutivo, como dramatização da própria existência entre nós...? Convocando isso que poderíamos chamar de círculos concêntricos - Salvador, o Recôncavo, a Bahia, o Brasil e o Mundo. Resumindo e repetindo: uma leitura "densa" para usar o termo de Geertz da experiência baiana e brasileira;
É justamente por isso que aqueles que aprendem capoeira relatam ter aprendido muito mais do que simplesmente capoeira. Aliás, não existe simplesmente capoeira. Como diz Mestre Curió:

"...o que caracteriza um Mestre é ética, é saber quem é ele, ter filosofia; por que a capoeira é uma filosofia, a capoeira ela é arte, ela é dança, ela é malícia, é coreografia, teatro, sagacidade, religião, cultura, ela só pode ser perigosa na hora da dor..."
São doze categorias que o Mestre Curió levanta como aspectos ou metáforas norteadoras da capoeira. São metáforas por que a capoeira permanece sendo capoeira, mas ela aciona significados de analogia, ou melhor universos de significado que convocam todas essas atividades, elas próprias desdobráveis em outras tantas: como filosofia também entendemos uma educação, e certamente os seus métodos; como arte também entendemos uma estética, e uma estética visual, a indumentária por exemplo; e como ética e sagacidade, entendemos o próprio sumo da existência e da resistência entre nós, e vislumbramos mesmo uma política, a capoeira como atitude política, em prol da própria história que encarna e que relata...
E esse agir complexo, esse pensar complexo, permite que a capoeira estabeleça sinapses com o mundo. Pois se ela se constituiu de forma densa como uma narrativa daquilo que somos, hoje circula pelo planeta materializando de forma impressionante o conceito de rede, de sociedade em rede. A capoeira está na frente de tudo que temos, está na frente do Brasil...
Para um País como o nosso, que continua perseguindo o ideal de nação, o ideal de se constituir como nação para todos os habitantes, e que ao mesmo tempo vivencia uma época que ultrapassa o discurso nacional e polariza o poder em conglomerados mundiais -, portanto, na delicadeza dessa quadra que ora atravessamos, a capoeira assume uma posição estratégica de agente civilizatório que fomenta o sentido de pertencimento e veicula formação ética. Reconhece e valoriza a matriz africana, mas ao mesmo tempo abre-se à contemporaneidade. A capoeira civiliza o Brasil.

Suas variações

A violência dos golpes da Capoeira não deixa espaço para meio termo: ou luta-se Capoeira de verdade ou apenas simula-se um jogo. Os mais puristas não admitem a possibilidade de enquadrá-la em regras esportivas. Para eles, quem assim o faz está sendo leviano ou não conhece de fato a arte da Capoeira. Para outros, no entanto, o jogo deve evoluir, como todas as artes marciais. A Capoeira de Angola, a mais tradicional, tem um número pequeno de golpes. Mas estes podem atingir uma harmoniosa complexidade, através de suas variações. Assim como a música, que conta sete notas, a Capoeira tem diversas variações apoiadas em sete golpes principais: Cabeçada, Rasteira, Rabo de Arraia, Chapa de Frente, Chapa de Costas, Meia Lua e Cutilada de Mão.
 A Capoeira é a única modalidade de luta marcial que se faz acompanhada por instrumentos musicais. No início, esse acompanhamento era feito apenas com palmas e toques de tambores. Posteriormente, foi introduzido o berimbau, instrumento composto de uma haste tensionada por um arame, tendo por caixa de ressonância, uma cabaça cortada. O som é obtido percutindo-se uma haste no arame; pode-se variar o som abafando-se o som da cabaça e (ou) encostando uma moeda de cobre no arame; complementa o instrumento o caxixi, uma cestinha de vime com sementes secas no seu interior.
O berimbau era um instrumento usado inicialmente por vendedores ambulantes para atrair fregueses, mas tornou-se instrumento símbolo da Capoeira, por conduzir o jogo com o seu timbre peculiar. Os ritmos são em compasso binário e os andamentos - lento, moderado e rápido -  são indicados pelos toques do berimbau. Entre os mais conhecidos estão o São Bento Grande, o São Bento Pequeno (mais rápido), Angola, Santa Maria, o toque de Cavalaria (que servia para avisar da chegada da polícia), o Amazonas e o Luna. Numa roda de angoleiros o conjunto rítmico completo é composto por três berimbaus (um grave - Gunga; um médio e um agudo - Viola); dois pandeiros; um reco-reco; um agogô e um atabaque. A parte musical tem ainda ladainhas que são cantadas e repetidas em coro por todos na roda. Um bom capoeirista tem obrigação de saber tocar e cantar os temas da Capoeira.